Cada mar possui elementos que o tornam único, características específicas que podem influenciar no número de ocorrências e salvamentos realizados. Essa semana conversamos com o Tenente Coronel Isandré Antunes, atualmente Chefe da Assessoria de Operações e Defesa Civil do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul, para saber mais sobre as peculiaridades do mar que enfrenta diariamente.
Muitas pessoas têm curiosidade em saber como é o dia a dia dos guarda-vidas. Poderia falar um pouco sobre a rotina dos guarda-vidas do Corpo de Bombeiros Militar do Rio Grande do Sul (CBMRS)?
A rotina dos guarda-vidas do CBMRS é semelhante à dos guarda-vidas do Brasil, embora é claro tenha algumas peculiaridades do serviço em razão da condição de mar e do tipo de construção das guaritas. No nosso caso, o guarda-vidas inicia o serviço no posto às 8h, onde vai preparando os morros de areia para saltar da guarita e fazer o salvamento quando necessário. Às 8h30, instala as bandeiras sinalizando as condições de banho para a população. O guarda-vidas do CBMRS trabalha 6 horas diariamente, onde trabalha no turno da manhã em um dia e no seguinte trabalha no turno inverso. Nos fins de semana, o guarda-vidas pode trabalhar até 12 horas.
E como são os treinamentos e por quem são ministrados?
Duas vezes por semana fazemos o treinamento institucionalizado antes do turno de serviço, começando às 7 horas da manhã, com duração de uma hora. O foco é o condicionamento físico, trabalhar a entrada e a saída do mar, além de abordagens com outras tecnologias como quadriciclo e moto aquática. Os instrutores são oficiais e sargentos que possuem o curso de instrutor de salvamento e resgate aquático. Atualmente o Rio Grande do Sul conta com 30 profissionais qualificados e são eles os responsáveis pela capacitação, recertificação e treinamentos de guarda-vidas.
Quais as características do mar do Rio Grande do Sul que o torna diferente das demais praias brasileiras?
O mar do Rio Grande do Sul é muito peculiar porque é um mar aberto, continental, o que o torna muito sensível às ações do vento. A dinâmica é muito oscilante, então começamos com o mar um pouco mais baixo, depois ele vai sofrendo diversas mudanças ao longo do dia. O vento predominante é o nordeste, o qual interfere no arrasto da areia, levantando na realidade muita areia. Então quando isso ocorre nós dizemos que a areia acaba saindo do mar, produzindo um mar mais inclinado. Só não se torna um mar de tombo porque nós não temos enseada aqui. Inclusive, o vento nordeste produz valas com maior frequência no nosso mar por conta do deságue e despejo de esgoto pluvial, que acaba produzindo correntes permanentes assim como aquelas que tem nas plataformas. Depois, se o vento predominante muda para sul, a água é “levantada” e inunda a região que o banhista fica. Não chega a ser uma resseca, mas é uma situação que traz a areia, antes depositada em cima, para dentro d’água. Depois que o vento sul passa, a profundidade do mar diminui e toda essa dinâmica impacta nas condições de banho.
Quanto às ocorrências nas praias do Rio Grande do Sul, quais são as situações mais comuns?
O maior problema que temos aqui em relação aos afogamentos está relacionado ao comportamento do banhista. Não há dúvidas de que o mar daqui ofereça condições perigosas e de risco. Por isso nós sinalizamos, fazemos prevenção com apitos, balizamos a área de banho. Porque nós não recomendamos a natação em nosso mar, não é um mar para praticar natação. É um mar para banho e para se refrescar bem próximo à margem porque ele produz arrasto, as valas são extremamente perigosas. Temos praias muito populosas no estado, como Capão da Canoa, Torres, Tramandaí, Imbé, que despontam em número de salvamentos pela quantidade de pessoas que nelas estão. Ou seja, quanto maior a exposição e a permanência na água, maior será a probabilidade de salvamento. É uma análise de risco matemática. Então as praias populosas são recordistas em relação a salvamentos e prevenções. A praia da Guarita em Torres é a única praia de costão, então apresenta corrente de retorno permanente. Esse ano estamos com um número menor de ocorrências nessa região, até porque tomamos medidas preventivas isolando o paredão. Mas mais do que isso porque nesta temporada estamos com uma frequência de argentinos muita baixa, são eles as principais vítimas da corrente de retorno em Torres. Principalmente por desconhecerem o local e se aventurarem um pouco mais, demonstrando um perfil mais imprudente naquele local. E como esse ano as fronteiras não foram abertas por conta da pandemia, nós tivemos uma diminuição sensível de ocorrências de afogamentos em Torres.

Na sua opinião, quais são as qualidades mais importantes que um indivíduo precisa apresentar para tornar-se guarda-vidas?
Um guarda-vidas precisa de algumas qualidades comuns a outras profissões e outras mais específicas. No aspecto físico, estar preparado fisicamente é realmente muito importante, é algo muito exigido para começar o curso de guarda-vidas. Ou seja, o candidato precisa nadar 200 metros em 5 minutos e depois realizar um duathlon de 1600 metros, tudo em até 13 minutos. No entanto, os requisitos vão além do campo físico, então no aspecto social é preciso ter equilíbrio emocional. Precisamos de um indivíduo emocionalmente capaz, que tenha sensibilidade para lidar com o público de forma adequada. Até porque o nosso principal ponto é o trabalho de prevenção e não apenas o resgate propriamente dito. Então para vestir uma regata amarela ou vermelha e amarela, é necessário que de início o candidato alcance esse nível nos campos físico e social, demonstrando essas qualidades com bastante rigor.
E o aspecto emocional é importante para vencer os desafios, sendo essencial ter resiliência e tolerância à frustração. Porque nós percebemos que os jovens atualmente possuem vigor físico, nadam bem, mas o mar do Rio Grande do Sul é frustrante. Muitas vezes o nosso mar dificulta a entrada, então o jovem tem alguns medos e no primeiro momento acaba desistindo. O que afugenta os candidatos a guarda-vidas do Rio Grande do Sul é a condição do mar, um pouco mais alto, com sequências bem fortes de ondas, onde o guarda-vidas precisa vencer esses obstáculos. E para isso é preciso resiliência emocional, não apenas aptidão física. Outro detalhe importante é que o guarda-vidas precisa ser um indivíduo atento. Hoje o nosso maior desafio é manter o guarda-vidas atento, com foco no banhista, evitando distrações. E o guarda-vidas que mostra isso logo no início, com certeza será bem respeitado e atuante, permanecendo por muito mais tempo nessa atividade do que outros que acabam sucumbindo no primeiro e segundo ano de trabalho. Fazemos avaliação continuamente, não apenas no curso, mas no decorrer da atuação do profissional, então a administração verifica quem não tem perfil para continuar.